Ela era a namorada de um amigo.
Na verdade, namorada do amigo de um amigo. A primeira vez que a viu, foi em um
bar. Entraram de mãos dadas. Jonathan
estava de costas para a entrada e não viu a chegada do casal. Os outros três
amigos que compunham a mesa com ele é que disseram: “ Olha lá, o Tadeu. Aquela deve ser sua nova
namorada.”
Antes que Jonathan se virasse
para olhar, sentiu em seu ombro a mão direita de Tadeu que disse: “ E aí
galera!!!! Essa é a Vivian!!!!” Em seguida puxou uma das cadeiras da mesa para
que ela sentasse. Pediu a Gustavo para
que desse um espaço e pudesse sentar-se próximo a namorada. Eduardo sugeriu pegar
mais uma mesa, mas Tadeu disse que não ficaria muito tempo e que logo iriam
embora.
A garota era tímida e quase não
conversou. Já o namorado como de costume
falava muito. Jonathan também se calou por alguns instantes. Estava incomodado.
Por alguma razão, sentiu-se atraído por Vivian. O jeito tímido, a maneira como
mexia em seu cabelo e pegava no canudo para beber sua soda. Os dentes afiados
que exibia quando sorria.
Antes mesmo de terminarem de
beber seus refrigerantes foram embora. Vivian insistiu para irem. Jonathan teve medo de que a garota tivesse
capturado algum dos olhares que lhe fora lançado. Mesmo sendo amigo do
amigo, não era uma lá muito correto paquerar uma garota comprometida.
Depois que saíram, Jonathan
comentou com Juliano. “Que bonita a moça. Tadeu deu sorte.” Juliano deu mais
um gole na cerveja e respondeu: “Não achei, muito sem graça essa menina.” Todos
riram, menos Jonathan que encarou a brincadeira como uma ofensa, mas permaneceu
calado para que ninguém desconfiasse de sua paixão.
Os acontecimentos que se seguiram
depois desse primeiro encontro foram estranhos. Sempre que Vivian cruzava com Jonathan
nem ao menos o cumprimentava. O desprezo era a certeza que se confirmava em seu
coração. Ela jamais seria sua. Quando se
cruzavam nos bares, Vivian cumprimentava a todos com um beijo e a Jonathan nem
ao menos acenava. Todos percebiam que Vivian não gostava dele e ninguém
entendia a razão disso.
Passados alguns anos, Vivian e
Jonathan reencontraram-se naquele mesmo bar. Uma estranha coincidência. Ela
estava sentada e acompanhada de uma amiga. Ele passou por ela umas duas
vezes sem sequer olhá-la. Numa das vezes ouviu a voz de Vivian convocando-o a
fazer-lhe companhia. A amiga havia ido ao banheiro. Os dois passaram o resto da
noite conversando tudo o que não conversaram durante anos. A amiga nunca mais
voltou do banheiro. Nas semanas seguintes
passaram a se encontrar com uma intensidade crescente. Jonathan chegou a pensar
em se afastar de seus vícios. Do cigarro, das bebidas, da música. Enfim, da
boemia por ele tão querida. Difícil decisão que envolveria toda uma vida de
exageros etílicos regados a muita diversão em noites de esbornia que teria de ser abandonada por uma mulher. Nada muito
original, mas valeria a pena. Será?! Olhou a sua volta e deparou-se com a vida.
Os amigos, a bebida, o sexo livre de tabus e obrigações adquiridas. A sua
frente havia Vivian. Bonita e inteligente, mas com sonhos de casamento,
proteção, responsabilidade e fidelidade conjugais. Quem era ele para negar isso
a ela? E quem era ela para lhe tomar a vida? Jonathan não achou que esse era o
momento de aceitar aquela morte em vida. E não se sentiu capaz de realizar
todos os pretensos sonhos de Vivian, considerados por ele vazios. Pensou em dar
tempo ao tempo. Deixar que ela vivesse as coisas que sonha e quem sabe um dia
não houvesse um terceiro encontro em que
um ou outro fosse menos egoísta em suas decisões.
Conscientes da separação, tiveram
a noite de amor mais intensa de suas vidas. Ao acordarem de manhã. Logo após o
café regado a muitos risos e brincadeiras. Despediram-se sem beijos. Mais uma
vez Vivian deixou a vida de Jonathan, mas agora eram amigos, não apenas
conhecidos.
Vivian foi embora, talvez pra sempre, mas
ainda havia bons livros na estante da sala, cigarros na gaveta da cômoda e
cervejas na geladeira.
João
Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor,
conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda
Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como
mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não
mude a si mesmo, troque o pano de fundo, mude de amigos, de cidade e até de planeta se
conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.