O
Brasil é um dos países campeões não apenas em corrupção, mas também em partidos
e candidatos fisiológicos, os quais são essenciais para a manutenção dos próprios
esquemas de corrupção e manutenção da ordem política hegemônica, que privilegia
setores específicos da sociedade. Os fisiológicos não se preocupam com
coerência ideológica, com programas bem construídos, com propostas realizáveis
e que busquem o bem-comum. Sua ideologia consiste, sim, em tirar o máximo
proveito pessoal e de seus pares, utilizando estratégias como clientelismo,
favorecimentos, aparelhamento de cargos e instituições, inclusive de Conselhos
e instâncias de representação da sociedade civil. O fisiologismo, porém, está
na própria estrutura governamental, pois observamos, por exemplo, como partidos
de “esquerda” associam-se aos setores e partidos mais conservadores e elitistas
da sociedade, e como há uma enorme incoerência entre seus programas e objetivos
de governo com as práticas políticas, posicionamentos e alianças que
estabelecem, notadamente envolvendo dinheiro e corporativismo.
Ao mesmo tempo, uma enorme maioria da
população desconhece ou pouco se interessa em conhecer e avaliar os fundamentos
ideológicos, os programas e as diretrizes dos partidos. Votam na pessoa que
parece legal, no “menos pior”, no amigo, no amigo do amigo, no cara que ele
conhece da igreja, no que está em segundo lugar para não eleger aquele primeiro
na pesquisa de opinião, no que deu um churrasco ou um botijão de gás. Temos,
ainda, o fenômeno de alianças pré-eleitorais, onde em troca de dinheiro e apoio
para campanhas, se monta toda uma estrutura de troca de favores. Ou seja, quem
tem mais dinheiro e alianças com setores econômicos e midiáticos de peso tem
mais chance de ser eleito. E para estes servirá o governo.
A
mídia de massas transforma consciência política em “votar com consciência”,
resumindo a conhecer se o sujeito é bom caráter, tem ficha limpa e se não faz
promessas enganadoras. O cidadão, aquele transformado em consumidor e em
eleitor, é reduzido de sua dimensão de sujeito político e a estrutura de
poderes permanece inquestionada. A corrupção, a falta de representatividade, a
dissociação entre governo e sociedade civil, as gestões incompetentes, são
reduzidas a uma análise ingênua e superficial que busca indivíduos e partidos
sujos, que apela a ignorância da população. Reforma política é uma questão que
poucos ousam tocar e as organizações apartidárias da sociedade civil são temidas
ou com vistas a cooptação, manipulação e esmagamento.
A
eleição é uma ilusão formatada de que vivemos num país democrático. É um
instrumento que, dentro do atual esquema político, serve mais a garantir o jogo
de poderes entre oligarquias econômicas, seus vassalos e peões. Sem uma ampla
reforma política, sem a desburocratização do Estado, sem o desaparelhamento da
administração pública, sem o empoderamento da sociedade civil e a criação de
uma esfera política com ampla participação dos cidadãos nas decisões e
políticas públicas, pouco se avançara no desenvolvimento de uma democracia
participativa, esta sim capaz de transformar o voto em um dos instrumentos
legítimos de ação política democrática.
por: Lígia Poggi Pereira