quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Reflexões de uma tarde no quintal


Acendo um cigarro, estou sentado no chão, encostado ao muro do quintal  que faz divisa com a casa de meu vizinho, nada amistoso, diga-se de passagem. Começo a rascunhar o que mais tarde veio a ser esse texto. Já faz alguns dias que terminei  de ler o livro do amigo Luiz Mozzambani Neto. Um escritor caipira de Monte Alto, filho de José e Neide ( lavradores paulista ).  O nome do livro é “Filhos da Preta”. Dirigi meus olhos ao centro do quintal, onde  há 20 anos havia uma laranjeira. Só percebi isso agora. Bato com a ponta do lápis três vezes em meu queixo. Tenho o ar  pensativo e nesse momento, percebo que meu cigarro apagou.
Após acender outro cigarro, remonto em minha mente todo cenário de meu quintal. Volto 20 anos no tempo. Posso até sentir o cheiro das laranjas. Como tenho total controle do tempo em meus pensamentos, resolvo parar um pouco minha escrita, subir naquele pé,  “panhar” algumas laranjas e matar saudades da minha infância em uma serrana que não existe mais. Voltei a ser um garoto e sentado entre os galhos da árvore quase me esqueço que tenho um texto para ser terminado. Desço e me sento encostado ao tronco para terminar meu relato sobre o livro “Filhos da preta”.
O livro, narra a história de preta  que vivia na fazenda Santa Izabel na primeira metade do século XX, onde era abusada toda quarta-feira por seu patrão. Certo dia ficou grávida pela terceira vez, mas dessa estava decidida a ter o filho. O patrão não quis saber de história e queria que ela tirasse, mas preta manteve a negativa e fora expulsa da fazenda. Em resumo o início da história é esse.  Quem não leu o livro pode pensar  que não há nada de surpreendente até aqui, mas peço para que se acalme e continue lendo.  Preta, após fugir da fazenda, sem  saber para onde ir, encontra uma estação de trem abandonada na fazenda Tabarana. Passa a viver lá, sob os olhares desconfiados dos moradores da colônia próxima a estação desativada.
Na estação deu à luz um filho “preto” e desmaiou. Ao acordar entregaram-lhe uma criança “branca". Com o tempo, entendeu a razão daquela confusão. Seu filho mudava de cor sempre que dormia. Começou a se interessar pelo enredo agora???
Desse momento em diante é que a narrativa começa a ficar boa de verdade. As pessoas da Colônia Amarela nunca souberam a real história. Para eles, Preta era mãe de um menino branco e era simples a explicação. Um milagre, oras. (rsrs) O menino branco vivia no bem bom. Brincando com as crianças da colônia e sendo paparicado pelas beatas. O preto por sua vez vivia nas sombras. Escondido de todos e quando apareceu....nem te conto. Compre o livro e descubra.
Os meninos cresceram. Tornaram-se adultos  e arrumaram meios para administrar a confusão já que não tinham mais a mãe por perto. Porém o grande administrador  daquela situação inusitada era o “branco”, o “preto “ era o bon vivant da história. Será???  “Fiquei fã do “preto”, vida longa a todos os” boa vida”, sejam eles brancos ou pretos.  Por fim, acho que essa é a mensagem mais simples e verdadeira que poderia ter extraído de minha leitura. Claro, há outras reflexões a serem feitas. Bons livros fazem pensar. Esse é um deles.
Sinto cheiro de café, vem da cozinha. Resolvo deixar esse texto de lado para digitá-lo uma outra hora.





Luiz Mozambani é escritor independente. Autor dos livros:EMBRULHOS, A CIDADE QUE MATOU A ESTRELA e QUEIMA DO ALHO: alimento do corpo e da alma do peão de boiadeiro. Participou também da Antologia: WEB AZUIS, uma antologia de escritores virtuais.







João Francisco Aguiar é um dos editores do âncorazine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.