Acendo um cigarro, estou sentado
no chão, encostado ao muro do quintal que faz divisa com a casa de meu vizinho, nada
amistoso, diga-se de passagem. Começo a rascunhar o que mais tarde veio a ser
esse texto. Já faz alguns dias que terminei de ler o livro do amigo Luiz Mozzambani Neto.
Um escritor caipira de Monte Alto, filho de José e Neide ( lavradores paulista
). O nome do livro é “Filhos da Preta”.
Dirigi meus olhos ao centro do quintal, onde há 20 anos havia uma laranjeira. Só percebi
isso agora. Bato com a ponta do lápis três vezes em meu queixo. Tenho o ar pensativo e nesse momento, percebo que meu
cigarro apagou.
Após acender outro cigarro,
remonto em minha mente todo cenário de meu quintal. Volto 20 anos no tempo.
Posso até sentir o cheiro das laranjas. Como tenho total controle do tempo em
meus pensamentos, resolvo parar um pouco minha escrita, subir naquele pé, “panhar” algumas laranjas e matar saudades da
minha infância em uma serrana que não existe mais. Voltei a ser um garoto e
sentado entre os galhos da árvore quase me esqueço que tenho um texto para ser
terminado. Desço e me sento encostado ao tronco para terminar meu relato sobre
o livro “Filhos da preta”.
O livro, narra a história de
preta que vivia na fazenda Santa Izabel
na primeira metade do século XX, onde era abusada toda quarta-feira por seu
patrão. Certo dia ficou grávida pela terceira vez, mas dessa estava decidida a
ter o filho. O patrão não quis saber de história e queria que ela tirasse, mas
preta manteve a negativa e fora expulsa da fazenda. Em resumo o início da
história é esse. Quem não leu o livro
pode pensar que não há nada de
surpreendente até aqui, mas peço para que se acalme e continue lendo. Preta, após fugir da fazenda, sem saber para onde ir, encontra uma estação de
trem abandonada na fazenda Tabarana. Passa a viver lá, sob os olhares
desconfiados dos moradores da colônia próxima a estação desativada.
Na estação deu à luz um filho “preto”
e desmaiou. Ao acordar entregaram-lhe uma criança “branca". Com o tempo,
entendeu a razão daquela confusão. Seu filho mudava de cor sempre que dormia.
Começou a se interessar pelo enredo agora???
Desse momento em diante é que a
narrativa começa a ficar boa de verdade. As pessoas da Colônia Amarela nunca
souberam a real história. Para eles, Preta era mãe de um menino branco e era simples
a explicação. Um milagre, oras. (rsrs) O menino branco vivia no bem bom.
Brincando com as crianças da colônia e sendo paparicado pelas beatas. O preto
por sua vez vivia nas sombras. Escondido de todos e quando apareceu....nem te
conto. Compre o livro e descubra.
Os meninos cresceram. Tornaram-se
adultos e arrumaram meios para
administrar a confusão já que não tinham mais a mãe por perto. Porém o grande
administrador daquela situação inusitada era o “branco”, o “preto “ era o bon vivant da história. Será??? “Fiquei fã do “preto”, vida longa a todos os”
boa vida”, sejam eles brancos ou pretos. Por fim, acho que essa é a mensagem mais
simples e verdadeira que poderia ter extraído de minha leitura. Claro, há
outras reflexões a serem feitas. Bons livros fazem pensar. Esse é um deles.
Sinto cheiro de café, vem da
cozinha. Resolvo deixar esse texto de lado para digitá-lo uma outra hora.
Luiz Mozambani é escritor independente. Autor dos livros:EMBRULHOS, A CIDADE QUE MATOU A ESTRELA e QUEIMA DO ALHO: alimento do corpo e da alma do peão de boiadeiro. Participou também da Antologia: WEB AZUIS, uma antologia de escritores virtuais.
João Francisco Aguiar é um dos editores do âncorazine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.