A vida lhe projetou um jogo. Fez
um tabuleiro de cores invisíveis aos olhos alheios. Só ela enxergava o cinza
azulado que estava alinhado às montanhas que abriam um caminho amarelo diante
de um solo sem cor. Era preciso colorir também quando não pudesse ver, regra número um. Início. Entrou em um carro,
comeu no restaurante dourado e fumou seus cigarros vermelhos sem medo que
chegassem ao fim. Procurar o fim, sem temer, regra número dois. Ao sair na
janela, não viu mais carro algum. Mas continuar jogando em qualquer condição,
era a regra número três. Entrou na casa marrom ao lado e passou algumas noites
sem olhar pro céu, que de azul, não tinha nada. As coisas não precisavam ser
das cores que todo mundo vê, regra número quatro.
Então o céu brilhou por dentro, e
a fez sair pra ver lá fora a cor de rosa e espinhos que se misturava com o
branco da espuma do mar.
Perdeu os sapatos, perdeu
sacolas, as toalhas, os lenços, tudo se foi.
E a regra número três se fez mais
forte.
O coração batia pedindo por água.
Lembrou-se do restaurante dourado, do carro, dos tempos de ouro.
Muitos bens, muitos pertences,
bons tempos. Mas naquele exato momento, havia um coração com sede, havia um
motivo mais dourado que o restaurante e mais azul que o céu, que de azul não
tinha nada, para chegar ao fim.
Amarrou a saia e seguiu em
frente, pelo caminho das árvores pretas, que de bonitas, nada tinham. Mas seus
olhos enxergavam um degradê, que clareava a cada pedra que lhe furava os pés.
O alaranjado do sol daquela tarde
tomou conta do espaço e tempo vividos por ela.
De longe, o lago branco. E seu
coração, tão seco, quase morto de sede, pulou do peito pronto pra quebrar as
regras, louco pra mergulhar no fim.
Nesse jogo, chamavam o
"fim" de outro nome. Estranha palavra, comum entre os homens e pouco
praticada.
Ela e seu coração encontraram o
amor.