segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A morte do dia

O cair da tarde sempre encantou Horácio de uma maneira estranha. Para ele essa hora do dia possuía um silêncio diferente. Era o dia debruçando-se sobre si mesmo. Refletindo suas angústias. O por do sol avermelhava as nuvens, árvores, prédios, pássaros e também o seu cansaço. A maioria só enxergava a beleza do crepúsculo, mas Horácio enxergava incertezas nos fins de tarde. Em especial nos de sábado que simbolizavam o fim de uma semana. O fechamento de um ciclo. Lembrava-se nesses dias de            quando tinha dez anos,  das manhãs que passou nas missas de domingo que assistia na companhia de seu avô e das aulas de catecismo com a professora Aline e seus lindos seios gigantes e firmes acomodados nas blusas quase sempre claras que usava, deixando   transparecer o sutiã.  Não era a toa que seu horário de aulas era sempre o mais disputado pelos garotos de sua idade. Tanto ela como o padre  sempre se referiam aos sábados como o dia em que deus havia descansado após ter criado o mundo.  Era sempre confuso lembrar-se disso.  Se deus havia criado o mundo, deve ter refletido após terminá-lo.  Assim como reflete o escultor, o poeta o carpinteiro após terminar seu trabalho. Não há descanso para quem cria. Pensou isso enquanto acendia mais um cigarro e levantava-se para ir até a geladeira pegar mais uma cerveja. Refletir é sempre um sofrimento. Refletir não muda as coisas. O que foi feito está feito, mas a gente insiste em reviver aquilo que não deu certo.  Os amores que se foram. As chances perdidas. A felicidade que não veio. Pensamentos não mudam a realidade só a torna mais insuportável. Pensar era uma herança de deus ou de quem o inventou.  A morte nessas tardes sempre lhe pareceu a única redenção possível.







João Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.

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